terça-feira, 17 de setembro de 2013

Para descontrair!

Em tempos de Atlético campeão da Libertadores e de Cruzeiro líder do Brasileirão, por que não um futebol filosófico já que tudo vai bem nessas paragens mineiras?



Sobre Machado de Assis

A última questão do trabalho em grupo desse bimestre exige a leitura de alguns capítulos de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Neste site

http://machado.mec.gov.br/

é possível ter acesso à obra completa de Machado. Basta clicar em "Obra Completa", no canto esquerdo; "Romance", na página que então será aberta e escolher o formato em que desejam ler (em pdf ou em html) as Memórias póstumas. Outras opções seriam pegar emprestado da biblioteca, de algum amigo ou, a melhor delas, comprar o livro logo de uma vez, já que é barato e vez ou outra poderão precisar dele. Como sempre, meus caros, boa leitura!

Mente e cérebro

O autor do texto abaixo, parte da bibliografia sugerida para o trabalho em grupo, analisa as concepções monista e dualista por um viés bastante atual: a neurociência, que se preocupa com o estudo de nosso sistema nervoso. As questões debatidas por Sócrates, Platão e outros filósofos antigos continuam interessando a vários ramos da ciência contemporânea. Não se preocupem com o vocabulário neurocientífico; para os nossos fins, o que interessa mesmo é perceber a atualidade da disputa entre monismo e dualismo e as possibilidades de abordagem desse tema. Boa leitura!


“A primeira questão colocada pela filosofia da mente é a seguinte: serão mente e corpo a mesma coisa? Será o pensamento apenas um produto do meu cérebro — que produziria pensamentos da mesma forma que o meu pâncreas produz insulina? Qual é a natureza dos fenômenos mentais?
Essa não é apenas uma primeira questão numa ordem de indagações. Trata-se da pergunta mais importante a ser respondida pela filosofia da mente — o problema fundamental que dá origem a quase todos os temas tratados por essa disciplina.
Eu posso fechar meus olhos e, numa fração de segundos, pensar em estrelas coloridas cintilando num céu azul-escuro. Estrelas que nem sequer sei se existem, e que talvez estejam a muitos anos-luz de distância. Eu posso imaginar uma vaca amarela ou então dizer que estou sentindo muito calor. Entretanto, se alguém pudesse abrir o meu cérebro e examiná-lo com o mais aperfeiçoado instrumento de observação de que a ciência dispõe, não veria estrelas coloridas nem uma vaca amarela. Veria apenas uma massa cinzenta, cheia de células ligadas entre si.
Essas células são chamadas neurônios, verdadeiras unidades do sistema nervoso cuja existência foi finalmente provada somente há cerca de um século com o trabalho de S. Ramón y Cajal. Até então muitos achavam que o sistema nervoso era um conjunto de vias contínuas, subdivididas em minúsculos filamentos. Os neurônios têm diversas formas e tamanhos, tendo, todos, entretanto, uma região destinada a fazer contato com outros neurônios, os chamados dendritos. O corpo da célula, o soma, contém um núcleo e outras estruturas, como as mitocôndrias, que participam dos aspectos metabólicos da atividade dos neurônios. Há também uma outra conexão de um neurônio com outros, mais longa e através da qual se movimenta o impulso nervoso. Essa conexão é chamada axônio. Cada região do neurônio revela propriedades elétricas, mas os impulsos geralmente ocorrem, na maioria das vezes, no axônio.
Desde o aparecimento dos trabalhos de Ramón y Cajal, nenhuma outra disciplina se desenvolveu tanto neste século XX quanto a neurociência. Dispomos hoje de um conhecimento bastante preciso do funcionamento cerebral e das suas unidades básicas, bem como das reações químicas que nele ocorrem. Sabemos que o cérebro é uma máquina complexa resultante da reunião de elementos fundamentais: o neurônio ou unidade básica, as sinapses ou conexões entre os neurônios e as ligações químicas que ali ocorrem, através de neurotransmissores e receptores. Essas combinações tornam-no uma máquina extremamente poderosa, na medida em que são capazes de gerar configurações e arranjos variados num número astronômico.
Contudo, o grande desafio que a neurociência ainda enfrenta é a dificuldade (ou será uma impossibilidade?) de relacionar o que ocorre no cérebro com aquilo que ocorre na mente, ou seja, de encontrar algum tipo de tradução entre sinais elétricos das células cerebrais e aquilo que percebo ou sinto como sendo meus pensamentos. A observação da atividade elétrica do meu cérebro não permite saber se estou pensando em estrelas coloridas ou numa vaca amarela. Alguém poderia até inferir — de algum tipo de observação do que ocorre no meu cérebro — que estou sentindo calor, mas não saberia dizer se o calor que eu sinto é maior ou menor do que o calor que o cientista, ao observar meu cérebro, estaria sentindo.
Se ninguém pode observar esses fenômenos que ocorrem em mim e se ninguém os encontra no meu cérebro, então posso formular duas perguntas: Onde eles estarão ocorrendo? E o que serão eles se — pelo menos inicialmente — não posso supor que sejam objetos como quaisquer outros que se apresentam diante de mim, como parte da natureza?
Estas duas questões estão na origem da determinação daquilo a que chamamos “subjetividade”. As estrelas coloridas e cintilantes, bem como as vacas amarelas, existem para mim, pelo menos momentaneamente. Se ninguém mais pode observá-las, posso então dizer que estes são estados subjetivos. Os estados subjetivos encontram-se na nossa mente, mas não na natureza. Eu preciso de uma mente para ter estados subjetivos, já que esses não se podem encontrar nem mesmo no meu cérebro. Surge então uma pergunta preliminar: mas o que são as mentes? Se as mentes se caracterizam por ter estados subjetivos e esses não se podem encontrar no meu cérebro, estaremos afirmando que então não precisamos de cérebros para ter mentes? Algumas pessoas sustentam tal ponto de vista, quase sempre a partir de crenças religiosas de vários tipos. Esse ponto de vista é, entretanto, contra-intuitivo: sabemos que, se danificarmos o cérebro de uma pessoa, muitas das suas atividades mentais serão também afetadas. Sabemos também que, se bebermos várias doses de uísque, a nossa mente ficará alterada. O mesmo ocorre quando tomamos algum tipo de droga. Altero a minha mente porque alterei o meu corpo — sabemos que tanto o álcool como as drogas atuam sobre regiões do cérebro, alterando o seu equilíbrio químico. O problema que enfrentamos consiste em definir que tipo de relação existe entre a mente e o corpo ou entre a mente e o cérebro.
Podemos começar por considerar que tipo de estratégia poderíamos adotar para abordar esse problema. Uma delas consiste em apostar no avanço progressivo da ciência e supor que o problema da relação mente e cérebro seja um problema empírico, ou seja, um problema científico como qualquer outro que algum dia acabará por ser desvendado. O grande avanço da neurociência nos últimos anos e a progressiva e tentadora possibilidade de explicar a natureza do pensamento através da estrutura química do cérebro seria uma boa razão para adotar essa estratégia. Outra estratégia consiste em apostar que esse é um problema que ultrapassa os limites daquilo que a ciência pode vir a esclarecer. Qualquer uma das estratégias significa uma aposta. Uma aposta que, de uma forma ou de outra, envolve uma tomada de decisão em favor de algum tipo de imagem do mundo.
Um exame preliminar de como a relação entre mente e cérebro poderia ser concebida parece forçar-nos a optar por dois tipos de alternativas básicas: ou os estados mentais (e estados subjetivos) são apenas uma variação ou um tipo especial de estados físicos (monismo); ou os estados mentais e subjetivos definem um domínio completamente diferente — e talvez à parte — dos fenômenos físicos (dualismo). Essas duas alternativas são apenas a transcrição das apostas que podemos fazer, seja em favor de uma imagem do mundo ou de outra. A primeira sugere que existem apenas cérebros e que os estados subjetivos podem ser apenas uma ilusão a ser desfeita pela ciência. A segunda aposta na existência de algo a que chamamos "mentes" que, para alguns, só poderia ser explicado pela religião ou pela adoção de uma visão mística do mundo.
É nesse sentido que o problema mente-cérebro é também visto como um problema ontológico: é preciso saber se o mundo é composto apenas de um tipo de substância, ou seja, a substância física, e se a mente é apenas uma variação desta última, ou se, na verdade, nos defrontamos com dois tipos de substâncias totalmente distintas, com propriedades irredutíveis entre si. Por outras palavras: há duas substâncias ou uma só? Há uma realidade ou pelo menos duas? Se há duas realidades, um mundo da matéria e outro imaterial, de que lado devemos situar as mentes?”.

TEIXEIRA, João de Fernandes. Mente, cérebro e cognição. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 15 - 17.
Visto no site: http://criticanarede.com/fil_mentecerebro.html

Corpo e psiquismo



Quando não pensamos  profundamente sobre algo aparentemente evidente somos impelidos, com base em nossos vários preconceitos, a julgar que o conhecemos e que nada há que nos induza a pensar mais sobre isso. Assim o nosso corpo: julgamos conhecê-lo detalhadamente, de modo que raramente somos levados a nos perguntar sobre ele. Temos braços, pernas, tronco etc.; sentimos fome, frio, cansaço. Estamos a experimentá-lo a todo o momento, e esse contato e exercício cotidianos ocultam dimensões mais complexa de nossa relação com ele. Como nos relacionamos com o nosso corpo? O dominamos ou nos deixamos dominar por ele? Se o conhecemos tão bem, por que nos sentimos desconcertados ao vê-lo em uma filmagem, da mesma forma como estranhamos ouvir a gravação de nossa voz?
Os filósofos também se debruçaram sobre o modo como nos relacionamos com o corpo. Existem, pelo menos, duas tendências de explicação entre eles: o dualismo, que afirma serem corpo e alma (ou mente *) separados e distintos; e o monismo, que afirma que corpo e alma são na verdade compostos pelo mesmo elemento, por matéria, e que com a morte do corpo morre também a alma.
Dentre os defensores desta última concepção, o monismo, está Epicuro, filósofo grego nascido em 341 a.C., que afirmava que a alma era composta por átomos, assim como o corpo e que, com a morte, tanto os átomos do corpo quanto os da alma se dispersavam na matéria, de modo que após a morte não haveria vida consciente, pois, assim como o corpo, ela tem seus átomos dispersos e já não há mais vida para ela. Não existe imortalidade da alma para os monistas, daí ser infundado o medo da morte:

 "Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade" (EPICURO, Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Trad. Álvaro Lorencini e Enzo del Carratore. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 27).

Outros filósofos tenderam a explicar o ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material e movido pelo desejo) e a alma (espiritual e consciente). Esta concepção era já sustentada por Platão, e afirma serem o corpo e a alma partes distintas que constituem o ser humano. Ela é conhecida como dualismo: corpo e alma são compostos por elementos diferentes, possuem características discordantes que fundamentam uma hierarquização entre eles. Assim, é comum a esta concepção sustentar que o corpo é material, enquanto a alma é imaterial, que o corpo é mortal, enquanto a alma é imortal, que o corpo é irracional, movido pelos desejos, enquanto a alma é a sede da razão, capaz, por isso, de conhecimento intelectual. Por seus atributos, a alma seria mais real que o corpo, espécie de recipiente que a contém, que a aprisiona, em sua estadia no mundo.

*para simplificar, o texto sempre se refere à relação entre corpo e alma. Mas cabe lembrar que, como disse durante as aulas, esta relação pode ser pensada também como corpo e mente, dada a abrangência do termo grego, psyché, que pode significar alma, ego ou mente.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Primeira carta: O QUE É A FILOSOFIA?

Em 1991, um professor norueguês publicou um romance que contribuiu para a divulgação da filosofia entre os estudantes dos ensinos fundamental e médio. Seu nome é Jostein Gaarder, e o romance que ele publicou é este aí ao lado, O mundo de Sofia. Ao mesmo tempo em que a estória da protagonista, Sofia Amundsen, se desenrola, somos levados a percorrer, ao lado desta garota de 15 anos, os mais de vinte séculos da história da filosofia, dos pré-socráticos aos filósofos contemporâneos. Neste marcador do blog, postarei algumas das misteriosas cartas que Sofia recebe ao longo do romance, sempre que estas tiverem alguma ligação com a temática que trabalharmos em sala. Lembro-lhes que esta NÃO é uma leitura obrigatória, fica a critério e interesse de vocês a opção por ela. Para quem se interessar, este livro pode ser o primeiro passo para uma compreensão mais geral de toda a história da filosofia.

Na carta que reproduzirei a seguir, há um trecho que gostaria de destacar de antemão: "Segundo um filósofo grego que viveu há mais de dois mil anos, a filosofia surgiu da capacidade que os homens têm de se surpreender". Este filósofo foi Aristóteles, e é realmente possível que a sua frase, escrita há mais de dois mil anos, valha ainda hoje como uma verdade incontestável. Quem tem contato com crianças pequenas (irmãos, primos, sobrinhos...) convive todo o dia com a grande curiosidade desses pequenos filósofos: o que é o nada? por que às vezes o tempo passa rápido e outras vezes demora a passar? o que acontece quando a gente morre? o que é a morte?

Quem nunca se viu encurralado por essa idade dos porquês? Filosofar não é mais nada além disso: manter a curiosidade de criança mesmo quando somos adultos. É não aceitar sem pensar o que a televisão nos diz, o que os jornais nos dizem, o que a internet nos diz, o que os livros nos dizem! É questionar a tudo e a todos (com a devida educação, é claro), até a nós mesmos, por mais que de vez em quando isso não seja lá muito confortável. Quem nos garante que tudo aquilo em que sempre acreditamos esteja certo? É preciso ser criança para ter curiosidade, e é preciso muita coragem para continuar com ela. Não consigo pensar em ninguém melhor para isso que vocês, eletro-jovens-bagunceiros-falantes-animados!! Vamos lá, não deixem esse mundo caducar...

Primeira carta: O QUE É A FILOSOFIA?

“Cara Sofia! Há muitas pessoas que têm diversos “hobbys”. Algumas colecionam moedas antigas ou selos, outras fazem trabalhos manuais, outras ainda dedicam quase todo o tempo livre a uma modalidade esportiva.
Muitos gostam de ler. Mas aquilo que lemos pode variar muito. Há quem leia apenas jornais ou revista em quadrinhos, outros gostam de romances, outros ainda preferem livros sobre os mais variados temas como a astronomia, a vida selvagem ou as descobertas técnicas.
Se estou interessado em cavalos ou pedras preciosas, não posso exigir que todos os outros partilhem deste interesse. Se me sento em frente à televisão encantado com todos os programas esportivos, tenho de aceitar que outros possam achar o esporte aborrecido.
Haverá alguma coisa que interesse a todo mundo?
Haverá alguma coisa que diga respeito a todas as pessoas, independentemente do que são e do lugar do mundo onde vivem? Sim, cara Sofia, há questões que dizem respeito a todos os homens. E neste curso trata-se precisamente dessas questões.
Qual a coisa mais importante na vida? Se o perguntarmos a alguém num país com o problema da fome, a resposta é: a comida. Se pusermos esta questão a alguém que esteja com frio, nesse caso a resposta é: o calor. E se perguntarmos a uma pessoa que se sinta muito sozinha a resposta será certamente: a companhia de outras pessoas.
Mas admitindo que todas estas necessidades estão satisfeitas — será que resta alguma coisa de que todos os homens precisam? Os filósofos acham que sim.
Segundo eles, o homem não vive apenas do pão. É evidente que todos os homens precisam comer. Todos precisam de amor e de atenção, mas há algo mais de que todos os homens precisam. Precisamos descobrir quem somos e porque é que vivemos. Interessarmo-nos pela razão da nossa existência não é um interesse ocasional, como o interesse em colecionar selos.
Quem se interessa por tais problemas, preocupa-se com tudo aquilo que os homens discutem desde que apareceram neste planeta. A questão acerca da origem do universo, do globo terrestre e da vida é mais vasta e mais importante do que saber quem ganhou mais medalhas de ouro nos últimos Jogos Olímpicos.
A melhor maneira de nos iniciarmos na filosofia é colocar perguntas filosóficas:
Como se formou o mundo? Haverá uma vontade ou um sentido por detrás daquilo que acontece? Haverá vida depois da morte? Como podemos encontrar resposta para estas perguntas? E, acima de tudo, como deveríamos viver? Estas perguntas foram colocadas desde sempre pelos homens. Não conhecemos nenhuma cultura que não tenha perguntado quem são os homens e de onde vem o mundo. As perguntas filosóficas que podemos colocar não são muitas mais. Já colocamos algumas das mais importantes.
A história oferece-nos muitas respostas diferentes para cada uma destas perguntas.
Por isso, é mais fácil formular perguntas filosóficas do que encontrar a sua resposta.
Mesmo hoje, cada um deve encontrar as suas respostas para estas perguntas. Não podemos saber se Deus existe ou se há vida depois da morte, consultando a enciclopédia. A enciclopédia não nos diz como devemos viver. Mas ler o que outros homens pensaram pode, no entanto, ser uma ajuda, se quisermos formar a nossa própria concepção da vida e do mundo.
A busca da verdade pelos filósofos pode ser talvez comparada a um romance policial. Alguns pensam que Andersen é o assassino, outros pensam que é Nielsen ou Jepsen. Talvez o verdadeiro mistério deste crime possa ser um dia esclarecido subitamente pela polícia. Podemos também pensar que a polícia nunca conseguirá resolver o enigma. Mas este tem, no entanto, uma solução.
Mesmo quando é difícil responder a uma pergunta, é possível imaginar que a pergunta possa ter uma — e apenas uma — resposta correta.
Ou há uma forma de vida após a morte ou não.
Muitos enigmas antigos foram, entretanto, resolvidos pela ciência. Outrora, o aspecto da face oculta da Lua era um grande mistério. Não se podia descobrir a resposta através da discussão, e assim era deixada à imaginação de cada um. Mas hoje em dia sabemos exatamente qual é o aspecto da face oculta da Lua. Já não podemos acreditar que haja um homem vivendo na lua, ou que ela seja um queijo.
Segundo um filósofo grego que viveu há mais de dois mil anos, a filosofia surgiu da capacidade que os homens têm de se surpreender. O homem acha tão estranho viver, que as perguntas filosóficas surgem por si mesmas.
Pensa no que sucede quando observamos um truque de magia: não conseguimos perceber como é possível aquilo que estamos a ver. E perguntamo-nos: como é que o ilusionista conseguiu transformar dois lenços brancos de seda num coelho vivo?
Para muitos homens, o mundo parece tão inexplicável como o coelho que um ilusionista retira subitamente de uma cartola até então vazia.
No que diz respeito ao coelho, percebemos claramente que o ilusionista nos enganou. O que pretendemos descobrir é como nos enganou.
Quando falamos sobre o mundo, a situação é diferente. Sabemos que o mundo não é pura mentira, uma vez que nós estamos na Terra e somos uma parte do universo. Na verdade, somos o coelho branco que é retirado da cartola. A diferença entre nós e o coelho branco é apenas o fato de o coelho não saber que participa num truque de magia. Conosco passa-se de modo diferente. Sentimos que tomamos parte em algo misterioso, e gostaríamos de esclarecer de que modo tudo está relacionado.
P.S.: No que diz respeito ao coelho branco, o melhor é talvez compará-lo com o conjunto do universo. Nós, que vivemos aqui, somos parasitas minúsculos que vivem na pele do coelho. Mas os filósofos procuram subir pelos pêlos finos, de modo a poderem fixar nos olhos o grande ilusionista.
Estás a seguir-me, Sofia? Receberás a continuação.”

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Filosofighters

Para nos familiarizarmos com a história da filosofia nem sempre precisamos recorrer a livros velhos e empoeirados, "mais pra lá do que pra cá", como vovó já dizia. Escolha um filósofo e manda ver nesse combate de ideias:

http://super.abril.com.br/multimidia/filosofighters-631063.shtml

Parmênides

Chegamos, finalmente, ao último filósofo pré-socrático que veremos. Parmênides nasceu, também por volta do século VI a.C., em Eléia, região atualmente localizada na Itália. Para ele, o princípio das coisas, a arché, é o SER, aquilo que é e não pode não ser. Em seu conhecido poema Sobre a natureza, Parmênides distingue duas vias: a Via da Verdade (alethéia) e a Via da Opinião (dóxa):

“Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste,
as únicas vias de pesquisa que são a pensar:
a primeira, que é e que portanto não é não ser,
de Persuasão é a via (pois à verdade acompanha);
a outra, que não é e portanto que é preciso não ser,
esta então, eu te digo, é atalho de todo incrível;
pois nem conhecerias o que não é (pois não é exequível),
nem o dirias...”

A Via da Verdade é o caminho para o ser, para aquilo que é tal como é, aquilo que, pelo princípio de identidade, é uma coisa e não pode ser outra ao mesmo tempo. Por exemplo, uma mesa é sempre e unicamente uma mesa, não pode ser ao mesmo tempo mesa e cadeira. E assim o ser: se o ser é, o seu contrário, pelo princípio de não-contradição, o não ser, não é. Outro exemplo: se você que está lendo este blog existe, se todos sabemos e concordamos que você existe, então você não pode não existir. Certo? Ou você não existe? No primeiro exemplo, está em jogo a identidade de cada coisa: se uma coisa é X, ela não pode ser Y; no segundo exemplo, está em jogo a contradição: seria contraditório dizer que X existe e não existe ao mesmo tempo. Aquilo que pode ser pensado e dito é aquilo que é, o ser; o seu contrário, o não ser, não pode ser nem dito nem pensado. Em outros termos, apenas o ser existe: princípio de todas as coisas, imóvel e imutável, eterno e indestrutível, uno, pois não há nada que não seja o ser:

“Só ainda o mito de uma via
resta [Via da Verdade], que é; e sobre esta indícios existem,
bem muitos, de que ingênito sendo é também imperecível,
pois é todo inteiro, inabalável e sem fim;
nem jamais era nem será, pois é agora todo junto,
uno, contínuo...”

Pensar o ser e dizê-lo tal como é consiste em trilhar a Via da Verdade, em conhecer a realidade do ser, do mundo e das coisas tais como são, evitando a Via da Opinião, mutável, instável, que emite afirmativas sobre as coisas com base em sua aparência, ou seja, com base no modo como a coisa aparece em dado momento (e em cada momento uma coisa pode aparecer de determinado modo) e dependendo do estado físico e psicológico do observador no momento em que opina, estado também muito variável. Para Parmênides, a mesma coisa não pode ser uma de manhã e outra à tarde, ser uma coisa para uma pessoa e outra para a outra, pois aquilo que é é uno, invariável, e quando as opiniões divergem dizem respeito apenas à aparência da coisa, não do ser real e verdadeiro do que existe, de sua essência.


E também Parmênides não pode ficar sem a sua música, "O Que", do Titãs:


Heráclito

No início deste 3º Bimestre, conhecemos o pré-socrático Heráclito. Ele nasceu em Éfeso, uma cidade da Jônia, hoje situada na Turquia, por volta do século VI a.C. Heráclito afirmava nunca ter tido nenhum mestre e escreveu a sua filosofia em fragmentos tão concisos que ficou conhecido como Heráclito, o Obscuro! Heráclito acreditava que a unidade do ser está justamente em sua multiplicidade, pois "tudo é um". Segundo ele, é possível captar a verdade pelos sinais enviados pelo Logos, ou seja, pelo pensamento e pela palavra, não os nossos, mas uma razão e uma linguagem cósmicas ou universais (“Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio afirmar: tudo é um”). O princípio do mundo é este logos, identificado por Heráclito com o fogo, fogo primordial que atua como princípio de mudança das coisas. Sim, para Heráclito, tudo está em mudança, em devir, um devir orientado por leis que mostram que toda mudança é a passagem de um estado a seu contrário. Tudo muda o tempo todo, nada permanece idêntico a si mesmo, o mundo é um perpétuo nascer e morrer (“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”). Há uma luta (ágon) constante travada pelos contrários, pelos pares de coisas opostas que lutam em constante devir: o que era frio torna-se quente, voltando a ser frio para depois tornar-se quente novamente, num perpétuo devir. Os contrários são inseparáveis, dependem um do outro para seu surgimento, de modo que há uma unidade na multiplicidade: a multiplicidade tensa e em luta é aquilo que une e que é comum a todas as coisas (“O combate é de todas as coisas pai, de todas rei...”).

Um professor que tive dava uma dica para não confundirmos Heráclito com outros filósofos pré-socráticos: como vimos acima, tudo flui, o DEVIR nunca cessa, "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa, tudo sempre passará...". Música de Lulu Santos, "Como uma onda":


[Detalhe: quem não gostar dos clipes, não me culpe por eles. É o que se encontra no Youtube.]

Pré-socráticos


Ao fim do bimestre anterior, vocês conheceram um pouco sobre o início da filosofia na Grécia Antiga. Este início, denominado como período pré-socrático, se estende do fim do século VII a.C. ao fim do século V a.C., e se caracteriza pela preocupação da filosofia com a origem do mundo e as causas das transformações da natureza. Dentre as principais características do período pré-socrático destacam-se:

- Explicação racional e sistemática sobre a origem, ordem e transformação da natureza, explicando, consequentemente, a origem e as mudanças dos seres vivos;
- Busca por um princípio natural, eterno, imperecível e imortal, gerador de todos os seres. Todas as coisas existentes são geradas por um princípio natural e a esse princípio tudo retorna (physis).
- Os seres originados por esse princípio natural (physis) são variados e diferentes, mortais, ao contrário de seu princípio originário que é uno e eterno.
- Os seres naturais são mutáveis, estão em contínua transformação. O movimento das coisas e do mundo chama-se devir.

Bem-vindos!

Olá, pessoal!

Como temos pouquíssimo tempo de aula por semana, resolvi criar esse blog para postar textos referentes aos nossos estudos de filosofia. Se funcionar, o resultado é que teremos menos coisas para copiar e mais tempo para conversar/filosofar. Se não funcionar, o jeito será voltar para a caverna e simplesmente decorar tudo quanto é matéria! Lembrem-se que para dar certo o blog depende muito mais de vocês do que de mim; conto com todos.
Além de textos referentes às aulas, outros textos hão de aparecer: filosofia, indicações de livros de literatura, músicas e filmes irão dar as caras por aqui.

REGRA BÁSICA: respeitemo-nos uns aos outros, respeitemos os comentários e opiniões de nossos colegas. É preciso saber ouvir ler e procurar compreender as motivações de cada um.

Abraços.