Quando não pensamos profundamente sobre algo aparentemente
evidente somos impelidos, com base em nossos vários preconceitos, a julgar que
o conhecemos e que nada há que nos induza a pensar mais sobre isso. Assim o
nosso corpo: julgamos conhecê-lo detalhadamente, de modo que raramente somos
levados a nos perguntar sobre ele. Temos braços, pernas, tronco etc.; sentimos
fome, frio, cansaço. Estamos a experimentá-lo a todo o momento, e esse contato
e exercício cotidianos ocultam dimensões mais complexa de nossa relação com
ele. Como nos relacionamos com o nosso corpo? O dominamos ou nos deixamos
dominar por ele? Se o conhecemos tão bem, por que nos sentimos desconcertados
ao vê-lo em uma filmagem, da mesma forma como estranhamos ouvir a gravação de
nossa voz?
Os filósofos também se debruçaram
sobre o modo como nos relacionamos com o corpo. Existem, pelo menos, duas
tendências de explicação entre eles: o dualismo, que afirma serem corpo e alma
(ou mente *) separados e distintos; e o monismo, que afirma que corpo e alma
são na verdade compostos pelo mesmo elemento, por matéria, e que com a morte do
corpo morre também a alma.
Dentre os defensores desta última
concepção, o monismo, está Epicuro,
filósofo grego nascido em 341 a.C., que afirmava que a alma era composta por
átomos, assim como o corpo e que, com a morte, tanto os átomos do corpo quanto
os da alma se dispersavam na matéria, de modo que após a morte não haveria vida
consciente, pois, assim como o corpo, ela tem seus átomos dispersos e já não há
mais vida para ela. Não existe imortalidade da alma para os monistas, daí ser
infundado o medo da morte:
"Acostuma-te à
ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem
nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência
clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida
efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de
imortalidade" (EPICURO, Carta sobre
a felicidade (a Meneceu). Trad. Álvaro Lorencini e Enzo del Carratore. São
Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 27).
Outros filósofos tenderam a explicar o
ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo
(material e movido pelo desejo) e a alma (espiritual e consciente). Esta
concepção era já sustentada por Platão, e afirma serem o corpo e a alma partes
distintas que constituem o ser humano. Ela é conhecida como dualismo: corpo e alma são compostos
por elementos diferentes, possuem características discordantes que fundamentam
uma hierarquização entre eles. Assim, é comum a esta concepção sustentar que o
corpo é material, enquanto a alma é imaterial, que o corpo é mortal, enquanto a
alma é imortal, que o corpo é irracional, movido pelos desejos, enquanto a alma
é a sede da razão, capaz, por isso, de conhecimento intelectual. Por seus
atributos, a alma seria mais real que o corpo, espécie de recipiente que a
contém, que a aprisiona, em sua estadia no mundo.
*para simplificar, o texto sempre se
refere à relação entre corpo e alma. Mas cabe lembrar que, como disse durante
as aulas, esta relação pode ser pensada também como corpo e mente, dada a
abrangência do termo grego, psyché,
que pode significar alma, ego ou mente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário