terça-feira, 17 de setembro de 2013

Corpo e psiquismo



Quando não pensamos  profundamente sobre algo aparentemente evidente somos impelidos, com base em nossos vários preconceitos, a julgar que o conhecemos e que nada há que nos induza a pensar mais sobre isso. Assim o nosso corpo: julgamos conhecê-lo detalhadamente, de modo que raramente somos levados a nos perguntar sobre ele. Temos braços, pernas, tronco etc.; sentimos fome, frio, cansaço. Estamos a experimentá-lo a todo o momento, e esse contato e exercício cotidianos ocultam dimensões mais complexa de nossa relação com ele. Como nos relacionamos com o nosso corpo? O dominamos ou nos deixamos dominar por ele? Se o conhecemos tão bem, por que nos sentimos desconcertados ao vê-lo em uma filmagem, da mesma forma como estranhamos ouvir a gravação de nossa voz?
Os filósofos também se debruçaram sobre o modo como nos relacionamos com o corpo. Existem, pelo menos, duas tendências de explicação entre eles: o dualismo, que afirma serem corpo e alma (ou mente *) separados e distintos; e o monismo, que afirma que corpo e alma são na verdade compostos pelo mesmo elemento, por matéria, e que com a morte do corpo morre também a alma.
Dentre os defensores desta última concepção, o monismo, está Epicuro, filósofo grego nascido em 341 a.C., que afirmava que a alma era composta por átomos, assim como o corpo e que, com a morte, tanto os átomos do corpo quanto os da alma se dispersavam na matéria, de modo que após a morte não haveria vida consciente, pois, assim como o corpo, ela tem seus átomos dispersos e já não há mais vida para ela. Não existe imortalidade da alma para os monistas, daí ser infundado o medo da morte:

 "Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade" (EPICURO, Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Trad. Álvaro Lorencini e Enzo del Carratore. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 27).

Outros filósofos tenderam a explicar o ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material e movido pelo desejo) e a alma (espiritual e consciente). Esta concepção era já sustentada por Platão, e afirma serem o corpo e a alma partes distintas que constituem o ser humano. Ela é conhecida como dualismo: corpo e alma são compostos por elementos diferentes, possuem características discordantes que fundamentam uma hierarquização entre eles. Assim, é comum a esta concepção sustentar que o corpo é material, enquanto a alma é imaterial, que o corpo é mortal, enquanto a alma é imortal, que o corpo é irracional, movido pelos desejos, enquanto a alma é a sede da razão, capaz, por isso, de conhecimento intelectual. Por seus atributos, a alma seria mais real que o corpo, espécie de recipiente que a contém, que a aprisiona, em sua estadia no mundo.

*para simplificar, o texto sempre se refere à relação entre corpo e alma. Mas cabe lembrar que, como disse durante as aulas, esta relação pode ser pensada também como corpo e mente, dada a abrangência do termo grego, psyché, que pode significar alma, ego ou mente.

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